MANIFESTO ANTIFILOSÓFICOEscrito pelo amigo: Márcio Matos
“Eu fiz uma descoberta estranha. Toda vez que converso com
um sábio, tenho a certeza de que a felicidade é apenas uma
rara possibilidade. Já quando converso com o meu jardineiro,
fico convencido do contrário”.
(Bertrand Russell, filósofo, matemático e escritor)
“A filosofia nos permite sofrer de maneira mais inteligente”.
(André Dahmer, quadrinista)
“Basta saberes que és feliz, e então / Já o serás na verdade
muito menos”.
(Raul de Leoni, escritor, em “Luz Mediterrânea”)
Há muito já se sabe que a aparência nem sempre é irmã da essência. Se assim não fosse, isto é, se bastasse conhecer-se a aparência de algo para se conhecer a sua essência, a curiosidade humana não teria chegado a tão longe.
Desde que o primeiro homem se meteu a entender o mundo a sua volta, nunca mais houve paz na Terra. O nascimento da curiosidade marca o óbito da tranqüilidade humana.
Buscando, por meio da razão ou da experiência, desvendar a essência das coisas, o ser humano conseguiu para si um resultado ambíguo: a glória de resolver problemas e a desventura de encontrar as soluções.
Explica-se: se por um lado o conhecimento acumulado facilita a vida, por outro lado as soluções geram uma imensa frustração. É que, quanto mais se conhece, mais consciência se tem da própria finitude. Conhecer implica navegar num novo mar de ignorância a cada descoberta. Implica sair da ignorância pura para se chegar à ignorância consciente de si mesma. Portanto, a satisfação da descoberta é apenas momentânea (já que logo se percebe o quanto ainda há por descobrir) e fixa o ponto de retorno de um círculo vicioso em que há mais decepção do que glória.
Ao que parece, a busca pelo conhecimento é algo inerente ao ser humano. Normalmente, os humanos não suportam a idéia de não compreender algo. Apressam-se em dissecar os fenômenos naturais, sociais e psíquicos em busca de um conhecimento que lhes permita chegar à verdade sobre a natureza, sobre a sociedade e sobre o indivíduo.
Eis que o problema do conhecimento desemboca no problema da verdade. São duas faces da mesma moeda. A grande questão é que ninguém nunca viu a verdade, nem nunca a verá. Uma verdade circunstancial e contingente sim, mas não a verdade absoluta. Tal verdade é inalcançável. Falta-me disposição para tentar demonstrá-lo agora, então tomemos esse fato como um postulado (basta perceber que a verdade mudou de roupa tantas vezes quantas foram necessárias no decorrer da história da humanidade).
Assim, o destino do homem é ficar aprisionado no meio do caminho, entre as trevas e a luz. Pode-se ler, estudar, experimentar e refletir o quanto quiser: sempre se estará a meio caminho da verdade (ou, o que é ainda pior, diante de uma verdade parcial).
Apesar disso, argumenta-se que o conhecimento liberta o homem da opressão imposta pelos muros das ideologias. Ciente da sua própria condição, e dos processos de estruturação da vida humana, seria possível ao homem perceber a dominação natural em que cada um de nós está mergulhado. No entanto, eu pergunto: de que maneira isso pode libertar? Um escravo que tem consciência da sua submissão é mais livre do que aquele que não tem essa consciência? Renunciar aos grilhões não os faz desaparecer; perceber a existência de muros não nos transporta para além deles... Gasta-se muito menos energia sendo manipulado do que refletindo a respeito da manipulação. Essa tomada de consciência antes escraviza do que liberta. É o emprego da vontade, e não o conhecimento, que pode libertar.
Não quero dizer, com isso, que há algo de ruim em buscar o conhecimento, muito pelo contrário. Apenas defendo que há muito mais vantagem em recusar essa busca.
As fronteiras do mundo ignorante são logo ali, ao alcance das mãos, e encerram um ambiente controlável. Dentro dessas fronteiras, cabe apenas o que se precisa para viver bem: pensamentos simples, soluções fáceis, ilusões doces, superstições cômodas e prazeres singelos. Tudo o que ultrapasse isso é supérfluo, é vaidade, é ambição.
Já a vida cheia de conhecimento (vale dizer, cheia de ignorância autoconsciente) é uma vida intranqüila, perigosa, preocupada, intrigada, repleta de desilusão, de consciência das mazelas do mundo e da angústia humana.
Ora, se o conhecimento não traz conforto e a verdade não é alcançável nem é libertadora, que proveito há em procurar pelo conhecimento ou pela verdade? No fim das contas, não há benefício real em abandonar o conforto da ignorância pura, em troca de se banhar num oceano de conhecimento, o qual se traduz, como vimos, numa ignorância qualificada.
Quem me dera, ter de volta a plena ignorância! Eu era mais feliz quando não sabia que não sabia nada... Infelizmente, uma vez que se recolhe a âncora e parte-se em direção ao mar revoltoso do conhecimento, não há mais como voltar a navegar em águas tranqüilas ou ancorar num porto seguro. Nenhum de nós pode mais morrer na paz que só a ignorância pura proporciona.
A sede de conhecimento é uma doença, um vício. O conhecimento é um caminho sem volta em uma estrada sem fim. É uma viagem em direção a um sol ofuscante que nunca se põe. É a água que torna insaciável a sede pela verdade. Mas a verdade, meus amigos, é um luxo dispensável. As ilusões me bastariam!!!