Foto by: Tiago João Luís Henrique
A boneca estava em frente a penteadeira marrom de vidro. Apenas mais um objeto decorativo naquele quarto de menina, repleto de outros brinquedos, todos certinhos e arrumados recentemente pela babá.
Na verdade, a boneca nem mesmo gostava de crianças, queria mais era ser um livro, cheio de idéias, com muitas páginas e assuntos interessantes. Ou quem sabe um CD? Talvez um alto falante para dizer em alto e bom som tudo que desejava para o mundo.
Mas, sabe-se lá porque, com a matéria prima usada em uma fabriqueta qualquer se fez boneca. Ficava ali, muda, com o rosto maquiado, cabelos arrumados e aquele sorriso falso que nem mais agradava a chata menininha que insistia em querer brincar todas as manhãs. É horrível ser uma boneca! Pensava.
Pior mesmo era a maquiagem pesada no rosto e todas aquelas alegorias ridículas do seu corpo.
Se eu pudesse, eu gritava, gritava, gritava!!! Pensava a infeliz boneca de enganadores traços infantis no olhar.
Sua vontade era sair daquele quarto. Os dias eram um pouco melhores quando ainda habitava a loja. Das prateleiras via ao menos coisas mais interessantes. Atualmente, detestava a própria existência, a menina só crescia e ela, a boneca, ficava sempre jogada de um lado para o outro, uma completa inútil a serviço dos anseios domésticos.
Se ela tivesse como, iria descer da cômoda! A primeira coisa que faria, seria tirar a maldita maquiagem. Lavaria tanto o rosto que ficaria vermelho de muito esfregar. Quebraria o estojinho de pó com cores diferentes e finalmente chutaria bem forte o merdinha do patinho amarelo que ficava dentro de um caminhãozinho, ela o aguentou todos esses anos.
Provavelmente, procuraria alguém para finalmente fazer sexo. Lavaria aquele cabelo bem arrumadinho, deixaria ele sempre bem molhado, despenteado, quem sabe o pintasse de uma cor diferente, vinho, como sempre desejou. Iria andar descalça, algumas vezes nua.
Poderia ser ela mesma. Não mais uma boneca, mas a dona da liberdade, sem maquiagens.